Hilário Alencar, presidente da SBM: matemática não é difícil.

Por: Jornal do Professor, em Entrevista no dia 26/08/2009

Graduado em matemática, com mestrado, doutorado, e pós-doutorado em matemática, Hilário Alencar da Silva é professor associado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordenador do Centro de Pesquisa em Matemática Computacional (CPMAT) na mesma instituição.

Presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), membro titular da Academia Brasileira de Ciências, foi pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFAL e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Matemática da UFAL, por duas vezes.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Hilário Alencar diz que matemática não é difícil. Ela é acessível e atraente, desde que explicada de forma clara e correta.

Jornal do Professor – A matemática é uma disciplina muito temida, motivo de pânico entre muitos alunos. Ela é mesmo difícil? A que se deve essa má fama?

Hilário Alencar – A matemática não é difícil. Pelo contrário, ela é acessível e atraente desde que explicada de forma clara e correta. Talvez seja a disciplina mais fácil de ser assimilada do currículo. Na atualidade está bem estabelecido que a matemática e a língua materna constituam os pilares sobre os quais se assenta a aprendizagem de todas as outras matérias. Além disso, está claro que o domínio da linguagem ajuda enormemente na aprendizagem da matemática, e o raciocínio desenvolvido pela matemática é essencial para que o estudante progrida na leitura e na análise de textos. Não é construtivo atribuir a má fama da matemática a alguém. De fato, o ensino de todas as ciências em nossas escolas do ensino básico precisa ser melhorado e aperfeiçoado e muitas cabeças estão neste momento se debruçando sobre a questão básica de como melhorar a qualidade do ensino em nossas escolas. A Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e boa parte da comunidade matemática tem atuado para a melhoria do ensino da matemática no Brasil em todos os níveis. A melhoria do ensino só se realizará e atingirá um estágio satisfatório quando forem implantadas políticas de valorização da profissão do professor.

JP – Há preconceito com a matemática também entre professores?

HA – Professores são membros da sociedade e partilham de todos os seus problemas. Os professores de matemática certamente não têm preconceito com esta ciência. Às vezes o preconceito se materializa quando se pensa que a matemática é uma ciência estéril, pronta e acabada, que se pode aprender somente em livros e enciclopédias. A matemática como cultura popular tem perdido espaço para outras atividades da sociedade atual.

JP – Qualquer pessoa pode aprender matemática? Ou algumas pessoas realmente têm dificuldades com números?

HA – É claro que qualquer pessoa pode aprender matemática. De fato, acreditamos que todas as pessoas podem aprender a contar, a operar com os números, a calcular uma porcentagem, a olhar para um gráfico e saber dizer se ele representa uma tendência de crescimento ou decrescimento, e a retirar uma informação simples de uma tabela. Todas as pessoas podem aprender a calcular a área de um terreno retangular, entender e utilizar as noções de áreas e volumes. Todas as pessoas podem dominar o raciocínio lógico em um nível que lhes permitam entender, elaborar e criticar argumentos. Esta é a matemática que é essencial para o pleno exercício da cidadania, e que faz parte do que é ensinado na escola básica. Geralmente as pessoas não têm dificuldades com números. As dificuldades aparecem exatamente quando se salta do ensino puramente numérico para o terreno das manipulações algébricas e analíticas que exigem que o indivíduo tenha adquirido a capacidade de generalização. Todas as pessoas têm em princípio potenciais para adquirir tal capacidade. Algumas a adquirem mais tardiamente. Mas esse assunto deve ser alvo de uma conversa com algum especialista em psicologia.

JP – Desde que começou a participar do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), no ano 2000, a situação do Brasil teve uma pequena melhora na área da matemática: o índice de 334 passou para 370 em 2006. Mesmo assim, entre 57 países avaliados, nosso país ocupa a 53ª posição em matemática. Qual a razão desse baixo desempenho?

HA – Eu falei anteriormente que o ensino, em geral, em nossas escolas deixa muito a desejar e tem espaço para ser melhorado. Para começar, nosso aluno normalmente estuda apenas um turno, quando em outros países ele fica o dia inteiro na escola. É preciso lembrar que a criança não aprende apenas na escola. Em casa, com a família, ela aprende costumes, regras, maneira de se expressar, forma de se alimentar, comportamento em grupo, como reagir a situações de todos os tipos, etc. Em casa ela também aprende com a televisão. Aprende também com os amigos, fora de casa. Deste modo, a responsabilidade da escola é atualmente até menor do que todos estes outros ambientes que propiciam aprendizagem, juntos. Em suma, só melhoraremos nosso desempenho no setor educacional quando priorizarmos a educação com políticas de Estado para este setor.

JP – Qual a solução para esse problema?

HA – Esta pergunta é equivalente a perguntar: qual a solução para melhorar a formação da juventude brasileira? Todos os educadores, em particular, os professores de matemática, estão preocupados e buscando soluções para tal problema. Alguns pontos já são consenso:

a) A necessidade de que o ensino público em nossas escolas seja em tempo integral;

b) A necessidade de melhorar MUITO o salário dos professores;

c) A necessidade de que a política pública da área da Educação seja política de Estado e não política de Governo;

d) A necessidade de ampliar gradativamente para 6% do PIB o investimento em educação no País;

e) A necessidade de rever os ambientes escolares garantindo que as escolas tenham água tratada, banheiros limpos, dependências agradáveis ao ensino e à aprendizagem, biblioteca, laboratórios, segurança, bem como ambiente para esportes.

JP – A pesquisa acadêmica brasileira na área de matemática tem reconhecimento internacional. A que se pode atribuir isso?

HA – Ao trabalho incansável da comunidade matemática brasileira, com o apoio imprescindível das agências de fomento CNPq, Capes, FAP’s, etc, que se organizou há cerca de 50 anos e estabeleceu um caminho claro a ser percorrido – o da formação no mais alto nível, e da produção científica com qualidade. O investimento na formação de recursos humanos para atuarem na matemática é estratégico para o país, novos paradigmas se estabelecem e devemos estar atentos para atrair e potencializar a formação de novos pesquisadores e professores.

JP – Que tipo de cooperação as universidades e instituições de pesquisa podem oferecer às escolas de ensino fundamental e médio, no sentido de disseminar o conhecimento da matemática?

HA – De fato, muita coisa já está sendo feita. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), que reuniu em sua última edição mais de 18 milhões de crianças. Em geral, o sistema de Olimpíadas de Matemática que existe no país oferece anualmente cursos para alunos e professores, e mais recentemente tem conseguido conceder, com recursos federais, bolsas de estudo para os alunos mais destacados. A Sociedade Brasileira de Matemática produz uma coleção de livros destinados ao professor de Matemática do ensino médio que são comercializados a preço acessível. A SBM edita a Revista do Professor de Matemática que atualmente tem uma tiragem de 40 mil exemplares, destinada especialmente aos professores e estudantes da escola básica. A SBM também promove a cada dois anos, com a participação de professores universitários, a Bienal de Matemática destinada basicamente aos professores de nossas escolas. A universidade vem revendo os seus cursos de formação de professor de matemática visando oferecer uma formação mais realista para enfrentar a situação atual de nossas escolas.

JP – Como se deve ensinar matemática? Existe um segredo para o ensino desta disciplina ou ela é fácil de ensinar?

HA – Não existe segredo. O bom professor de matemática é uma pessoa que conhece bem a matéria, que cumpre sua missão, e que investe em sua formação de modo a se manter sempre atualizado. Como em todas as profissões devemos sempre aprimorar o conhecimento e a comunicação. Por isto eu digo que não existe receita. Certamente, quem não sabe matemática e for colocado na posição de professor, fará um péssimo trabalho.

JP – Por que há falta de professores de matemática no Brasil?

HA – No nível do ensino básico a falta se deve fundamentalmente aos degradantes salários pagos aos professores. Os formados para este nível de ensino preferem ir fazer outra coisa que lhes pague melhor. No entanto, para o nível universitário a falta se deve realmente a limitação no número de formados. Vale lembrar que a profissão de matemático, bem como a de professor de matemática, não possui o charme e o apelo social de outras profissões como: médico, advogado, economista, jornalista, engenheiro, etc. Por outro lado, um bom matemático sempre estará empregado.

JP – Como o senhor avalia o ensino da matemática no Brasil (tanto no ensino básico quanto na graduação)?

HA – Já falei sobre o ensino básico, onde a situação é muito preocupante. É necessário uma política para a formação de professores onde seja contemplado também o conteúdo de matemática, bem como o estabelecimento de parâmetros curriculares, os quais devem ter a participação dos profissionais da área. Em relação à graduação, as principais universidades brasileiras oferecem ensino de qualidade nos cursos de licenciatura em matemática, bacharelado em matemática e demais cursos que utilizam a matemática e aplicações. Existem, entretanto, mais de 500 cursos universitários de matemática sendo oferecidos, cujo nível de qualidade tem grande espaço para ser melhorado.

JP – Que análise o senhor faz do ensino da matemática em outros países, comparativamente com o Brasil?

HA – Todos os países tem carências sérias no ensino da matemática e, mais geralmente, das ciências. Nos países em desenvolvimento muitas vezes as dificuldades próprias do aprendizado se juntam a problemas socioeconômicos. Mas, de fato, o problema do ensino da matemática atinge igualmente os países mais desenvolvidos. Alguns deles, como é o caso dos Estados Unidos, compensam as deficiências de formação dos seus próprios alunos através de incentivos para atrair alunos talentosos de outros países. Na Europa, onde a situação ainda é relativamente melhor, também tem vindo a constatar um agravamento progressivo do problema. A matemática é uma ciência de natureza diferenciada quando comparada com as demais ciências, sendo universal na forma de ser elaborada, sistematizada, aprendida, ensinada, aplicada e divulgada. Hoje é classificada como ciência exata mas já foi classificada como ciência humana. Portanto, os problemas e desafios da matemática são muito semelhantes em qualquer parte do nosso país e no mundo.

fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/noticias.html?idEdicao=27&idCategoria=8

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